quarta-feira, 30 de junho de 2010

Economia do sexo

As buzinas ecoam impacientes na rua Agustinas, no centro de Santiago do Chile. O trânsito é péssimo e não há lugar para estacionar. “São os motéis. Tudo fica lotado”, explica o porteiro Armando. “Dentro de uma hora, o trânsito vai melhorar. Mas agora é hora do almoço, a pior hora”. 
Os jornais chilenos estão cheios de anúncios de motéis que rivalizam em criatividade para atrair clientes. Além do quarto durante algumas horas, os clientes têm direito a um pacote de camisinhas e dois “pisco sour”, a bebida nacional chilena. 
Os motéis mais caprichados têm salas revestidas com espelhos e oferecem champagne. Para os mais pobres, há o sexo nos carros. Alguns estacionamentos reservam lugares escondidos por uma cortina de plástico para proteger os clientes de olhares curiosos. 

Qualquer que seja o preço, a característica mais procurada é a discrição. É o que levou Enrique Delaveau dez anos atrás, a criar uma empresa especializada no que ele chama de “gestão de adultério”. Uma parte da atividade consiste na venda de produtos e serviços destinados aos cônjuges que desconfiam de traição. 

Lamia Oualalou/Opera Mundi
 
Enrique Delaveau no seu escritório 
Ex-agente do serviço de inteligência chileno durante a ditadura militar, Delaveau abriu um escritório no centro da cidade, onde recebe os clientes e mostra seu portfolio. Um dos produtos vendidos é um gravador de som camuflável na roupa. "Basta trazer uma jaqueta e a gente coloca dentro da costura. A pessoa não vai perceber nada, e nosso cliente terá a possibilidade de ouvir tudo que foi dito... ou feito”, explica, com orgulho. A pequena maravilha custa 69 mil pesos (231 reais). 

Serviços 

Delaveau quer tirar todo o proveito possível do mercado da traição. Além dos produtos que comercializa, ele criou um serviço que ajuda a pessoa infiel a nunca ser descoberta. Começa com um interrogatório para conhecer sua rotina, os detalhes da aventura amorosa e as relações do cônjuge. “Eu ajudo a organizar uma escapada, seja no motel na hora do almoço ou para tirar férias com a amante do outro lado do mundo”, diz Delaveau. 

Para providenciar este serviço, a Todoespia dispõe de uma equipe de 30 pessoas (a maioria temporária), chamadas segundo as necessidades. “Em geral, as pessoas que trabalham para mim nem sabem exatamente qual é o objetivo da missão, por um motivo de discrição”, precisa Delaveau. Por exemplo, quando um médico decide passar o fim de semana com a amante, a Todoespia prepara uma documentação falsa, para que ele possa anunciar à esposa que foi convidado a dar uma palestra. A empresa também prepara um souvenir típico do lugar da falsa conferência para ele levar para a mulher.

Para evitar qualquer problema de último momento, a empresa também registra recados do marido como se ele estivesse num aeroporto lotado, numa reunião, ou numa conversa com amigos. “A gente bota o recado no telefone da mulher, assim ela não pode desconfiar de nada”, diz Delaveau. 

A Todoespia oferece ainda outros serviços, como a recuperação de mensagens apagadas no celular. “O cliente traz o chip do celular para a gente antes das 14h, e nós fornecemos um relatório completo às 17h, tudo por 5 mil pesos” (17 reais), explica Delaveau. Entre os produtos mais procurados, encontra-se o “detector de traição”: um kit que revela a presença de sêmen em qualquer tecido, por um preço de 50 mil pesos (170 reais). 

"A infidelidade não para de crescer. Acho que as pessoas são mais livres do ponto de vista sexual desde a saída do general Pinochet”, avalia o ex-militar. 

Mas Delaveau se recusa a falar em “ditadura”. Para ele, “o general fez um grande governo que salvou o Chile da ameaça comunista”. No seu escritório, ele exibe com orgulho um retrato do ditador, que morreu em 2006. 

Resgate 

O serviço mais complexo é o esquadrão de resgate. "Por exemplo, quando um cliente está em um motel e ele vê sua mulher através da janela, que provavelmente o seguiu, ele não sabe como escapar", conta o dono da Todoespia. Num desses casos, ele enviou uma equipe especializada que trocou a placa do carro do cliente. Um homem parecido com o marido saiu dirigindo. “Quando o carro saiu do motel, a mulher percebeu que estava errada, que o carro era idêntico, mas era outro. Ao mesmo tempo, a gente fez sair o cliente no porta-malas de outro carro”, diz ele, rindo. 

Delaveau reconhece que também existem situações desesperadas. "Uma vez, outro cliente foi preso em um motel, mas a equipe de resgate já estava ocupada. Mandei lançar gás-pimenta em frente ao motel, o que obrigou a mulher a ir embora. Assim, conseguimos tirar o cliente. Mas uso este tipo de método somente em caso de extrema necessidade”, acrescenta. 

Para o ex-militar, a aprovação da lei de divórcio é uma maravilha. “Antes, os casais não tinham o direito de se separar oficialmente. Eles tinham de aguentar a traição sem dizer nada. Agora, as pessoas estão à procura de provas para serem apresentadas aos juízes. De repente, todo mundo está tentando se proteger”. 

Ao contrário do que se poderia esperar, a clientela da Todoespia não é apenas masculina: metade das pessoas que compra o serviço de “desculpas para traição” é de mulheres. Mas todos têm uma coisa em comum: são ricos. "Nossos serviços são caros. A traição no Chile é como a saúde: aqueles que não podem pagar morrem”, conclui Delaveau. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário