quinta-feira, 18 de março de 2010

A neuroeconomia e a escolha: toda decisão envolve uma emoção

Postado por Érika Palma.

O que você faria se achasse na rua um envelope com mil reais dentro e o nome do proprietário? Alguns iriam direto procurar o dono do dinheiro para devolvê-lo. Mas outros incorporariam as notas alegremente ao seu patrimônio. Em ambos os casos, tomamos a decisão baseados em um conflito – que nosso cérebro resolve – entre as normas morais que aprendemos na infância, que nos pressionam a devolver o que não é nosso, e a perspectiva do ganho financeiro inesperado.Se devolvemos o dinheiro, perdemos a possibilidade de comprar um novo celular, mas em compensação ficamos em paz com a nossa consciência. Se não devolvemos, assumimos a culpa de não ter agido de acordo com as regras morais que a nossa sociedade adota. Exemplo extremo desse processo de tomada de decisões é o que se vê no filme A escolha de Sofia, baseado no romance homônimo publicado em 1979 pelo norte-americano William Styron. Quem viu acompanhou o angustiante processo decisório de uma mãe em um campo de concentração nazista, forçada a decidir qual dos dois filhos seria levado ao forno crematório. A situação é tão emblemática que a expressão “escolha de Sofia” passou as ser usada como sinônimo para descrever tais dilemas.Tomamos decisões como essas – simples ou complexas – a todo momento, e é o nosso cérebro que julga as variáveis que se opõem, geralmente de forma a maximizar os ganhos e minimizar as perdas. Os mecanismos cerebrais de tomada de decisões são o tema de um ramo da neurociência chamado provocativamente por seus adeptos de neuroeconomia. Esse campo, por sua vez, brota de um ramo maior conhecido como neurociência social, que aborda os processos cerebrais de interação entre animais em sociedade.

A tomada de decisões

Como é mesmo que tomamos decisões na vida diária? Que processos nossa mente é capaz de realizar para chegar a um resultado em uma situação ambígua ou conflitante? Quais são os mecanismos cerebrais por trás desses processos mentais?Os neurocientistas que abordam esse tema geralmente recorrem a experimentos nos quais voluntários participam de jogos enquanto têm seu funcionamento cerebral monitorado. As imagens de seus cérebros obtidas durante o experimento permitem revelar quais regiões entram em atividade quando esses indivíduos elaboram uma decisão sobre um problema. Em geral esses jogos envolvem ganhos ou perdas monetárias.Voltemos à situação proposta no início do texto para descrever um experimento desse tipo. Se eu apertar o botão da esquerda, decido devolver o dinheiro que achei na rua; se apertar o da direita, decido ficar com ele. Isso se passa dentro de uma máquina de ressonância magnética e, durante esse tempo, a atividade do meu cérebro é registrada, comparada matematicamente e codificada em cores para indicar as regiões mais ativas durante a tomada de decisões. Os neurocientistas que trabalham nessa área sabem como é difícil bolar um teste que não seja contaminado por elaborações mentais indesejadas. Talvez, ao decidir, eu não pense em nada relevante à questão, mas escolha simplesmente um botão para o teste acabar mais rápido. Quem vai saber? Por essa razão os testes são bastante elaborados, dotados de estritas situações de controle que permitam focalizar exclusivamente o problema proposto.Os jogos que simulam situações decisórias têm sido utilizados por vários grupos de neurocientistas e envolvem tipicamente apenas duas opções contrárias: uma arriscada, mas de maior valor, e outra mais segura, de menor valor. No primeiro caso, o indivíduo decide maximizar os seus ganhos; no segundo, trata-se de um sujeito cauteloso que prefere minimizar as perdas, uma opção mais segura.A região do córtex cerebral chamada ínsula se torna mais ativa quando a escolha é cautelosa, segura; e uma outra região do córtex, chamada área pré-frontal ventromedial, prediz escolhas arriscadas. Só que nem sempre a vida é assim, dualista. As decisões que precisamos tomar se apresentam em cenários bastante complexos e multivariados. Como resolver esse problema?

Escolhas complexas

Um artigo publicado recentemente pela revista Neuron abordou essa questão, trazendo novidades. Trata-se do trabalho de um grupo da Universidade Duke, nos Estados Unidos, encabeçado por Vinod Venkatraman e Scott Huettel. O grupo raciocinou que seria complicado para o cérebro, do ponto de vista computacional, enfrentar situações decisórias que envolvem múltiplas variáveis – as tais decisões complexas. Por isso, seria possível supor que o cérebro dispusesse de mecanismos “simplificadores” que facilitassem a tomada de decisão.Vejamos um exemplo: confrontado com a possibilidade de ganhos e perdas de diferentes valores, algumas pessoas poderiam adotar uma estratégia simplificadora, a fim de enfatizar a probabilidade de ganhar, seja qual fosse o valor. O objetivo do grupo americano foi avaliar se essas diferentes estratégias seriam diferenças de personalidade e se envolveriam regiões cerebrais distintas.Eles propuseram a voluntários da própria universidade um tipo de jogo de tomada de decisões (valendo dinheiro!) com cinco resultados possíveis: dois de ganho monetário, dois de perda e um neutro (não ganhavam nem perdiam). Funcionava mais ou menos assim: em cada jogada, primeiro o indivíduo visualizava as opções que tinha: ganho de 80 dólares, ganho de 50 dólares, ganho zero, perda de 30 dólares, perda de 60 dólares ou outros valores semelhantes.Segundos depois ele recebia uma opção de bônus em duas das opções: a escolha de ganho zero poderia receber alguns dólares, e a opção de perda máxima poderia diminuir um pouco. Ele finalmente escolhia a opção que mais lhe aprouvesse, apertando um botão correspondente.A decisão envolvia pelo menos as seguintes estratégias: maximização do ganho (apostar no valor máximo), minimização das perdas (apostar no valor de perda máxima reduzida), e maximização da probabilidade de ganhar (apostar no ganho zero com acréscimo).Aplicando a primeira estratégia, o indivíduo jogava para ganhar mais dinheiro; usando a segunda, tentava perder o menor valor possível; e a terceira estratégia visava a garantir a probabilidade de ganhar, mesmo para um pequeno valor. O jogo era aplicado dentro de uma poderosa máquina de ressonância magnética e, assim, era possível detectar quais regiões estavam mais ativas durante o processo decisório.

Diferenças de personalidade

Os resultados mostraram diferenças de “personalidade” no modo de decidir: a maioria das pessoas utiliza a estratégia cautelosa e prefere ganhar qualquer coisa a tentar ganhar o máximo ou mesmo perder o mínimo. Na interpretação dos autores do trabalho, isso representaria uma simplificação do processo mental de tomada de decisões quando o problema é complexo e multivariado, facilitando as coisas para o cérebro.E mais, eles observaram que regiões cerebrais diferentes entravam em ação nesse caso: a área pré-frontal dorsolateral e a área parietal posterior. A primeira acionava o mecanismo de risco: ganhar o máximo ou perder o mínimo. A segunda acionava o mecanismo cauteloso e simplificador: ganhar o possível. Faltava um elo nesse circuito: alguma região que decidisse qual estratégia seguir. Elo encontrado, em outro ponto do córtex pré-frontal.A conclusão é a seguinte: você precisa tomar uma decisão. Sua personalidade lhe indica uma estratégia mais cautelosa, que o filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) chama “pensamento sedentário”. Você aciona os circuitos cerebrais correspondentes e a sua escolha será pela opção de menor risco: ganhar o possível, se possível. Mas pode ser que você seja do tipo “pensamento nômade”. Nesse caso optará por estratégias de risco: ganhar o máximo ou perder o mínimo.E ainda mais: quando você consegue seu objetivo, seu sistema de recompensa e prazer explode em atividade neural, como verificou também o grupo da Universidade Duke. Neurônios “felizes”, pessoa feliz! Quando acontece o oposto e você perde... bem, você sabe – aborrecimento, estresse, infelicidade. A vida é assim: toda decisão envolve uma emoção.


Fonte: Ciência Hoje




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